30.12.08

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No entanto, cantai, palavras

quem vos disse que chorásseis
vós também?

Mário Faustino, Balatella



DA FEBRE


tua escura boca
esta vinha de ferros
mastigou-me
até a ferrugem dos brônquios

nudez
até o estupor
[inflamada a
difícil respiração]

tua boca este
jardim espúrio
de heras florescidas
ao contrário

teu airoso pêlo
teus intempestivos cascos
me infestam a idéia
do poema

então reflito
a circunspecta demarcação
destas cicatrizes

só - porque noite


PLENILÚNIO

hordas de fonemas
para transplantar
o veneno-enigma,
rizoma do sonho

legiões de sortílégios
-epígrafes em revoada-
para junto a seio
[das virtudes teologais,
a terceira]
para junto ao seio
assassinar
tua ferruginosa boca
[seja a poesia um lento mas contínuo aprendizado no assassínio]

quantos matizes
senão todos
dista tua língua
da minha?

-junto ao seio,
da seta, o veneno


CARTA

porque,
convivas [ainda à mesa, e tão fartos!]
estas literaturas:
assunto de cães

já os verbos-dardos
de desvelo e fúria
disparados

-cada seta estica
um fio de vida - :
assunto de centauros




ESTUPOR

por ser noite:
deixar sobre a mesa
meu baralho
guizos de tornozelo
anéis
jasmins para astarte
-ungir, junto ao seio,
a seta -




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13.12.08

de quando era outro blog

entre julho e agosto


um cravo desesperado
pende com força do chapéu
que em seca fúria de palha
pende sobre os cabelos
que pendem em feixes por detrás do aconchego das orelhas
que por sua vez vão dependuradas
entre queixo e nuca
[um tresmalhado de desvelo
uma guarnecida de miúdas pontiagudezas]
que seguram o oco de um tubo
onde se enfia um punhado de terra seca

DA TERRA SECA

da terra seca
na goela lama
água esmiucenta pelas narinas
até coalhar o céu da boca
nebulosas até arvorecer pelos olhos

MISTURAR O SER DOS OLHOS

misturar o ser dos olhos
até algum ponto de árvore em que passarinho pouse

PARA TER OLHOS

para ter olhos
[pétalas da morte da noite que dá luz]
e cílios em flor

TÃO VIOLENTAMENTE TERNOS

tão violentamente ternos
com seus espinhos:
DESESPERADAMENTE CRAVO



...




à valsa leve das entranhas,
um meio drama aguado






feche os olhos
[como se já não estivessem]

eu vou acender a luz
[como se fechados os olhos impedissem ]

porque eu quero que você morra, como uma flor
[como se não estivesse trancada por dentro, a porta ]

você flor eu quero por morrer
[como se não fosse da porta trancar-se por dentro]

aceite a dança, aceite, eu conduzo com doçura esse assassinato, sim?
[como se a natureza do assassínio por si não fosse a de um dente dançarino]

entre inverno e primavera, um tanka

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o breu aninhado
com a cabeça sob a asa
vergando o galho:

estalido de graveto
inda em flor a cicutária



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porque para o chute que existe este balde

estes dois poemas são de dois mil e seis. São sobreviventes do livro-fantasma que, para o meu atual desgosto, intentei publicar [e não o fiz, com a graça de deus]. Era uma pernóstica coletânea de poemas [ruins]. Isto é tão somente porque não tenho muita coisa publicável em mãos [ainda] e então compartilho com meus alegres convivas



Alexandrino em Resposta


Vós, ó! escutai bem o árduo versar insensato
Que, é, sim, fato: inda que mal juntada e esma
Apesar do ornato a carreira é sempre a mesma
Inda que não vinda a farinha dum mesmo saco!

Vós, ó! De tão finas orelhas e puro olfato,
Ao cérebro cordato de gosma e lesma
Não faz jus o destrato de tão ímpia seresma.
Meu verso a vós, ó! é cachorro sem mato!

Se sois o sumo do sumo, sou eu o cacto
Eu sou livre, e o sumo é azedo, caros antistes,
E poética é rir de mim e do vosso chiobato!

Ora, ora, meu soneto não só é de blague nem de chistes,
Eu nasço! Já vós, ó! Correi, condenados beatos,
Ao seio das gramáticas surdas que vos paristes!


...


Inverno - três grãos


tenho a impressão franca
de que minha fronte arde
é febre
de vida
é forte

branca fonte de dissabores e impressões errôneas
a minha fronte
a minha morte
duvida

a minha face imprime promessas
descreve rodeios, afronta medos, descarada
e cora, qual perséfone faria não fosse

mesmo que não sinta, que não se saiba à frente de mim
a minha fronte arde
é cedo

é cedo:
sua ao sorem sofismas
capas persefônicas camaleolíticas
ígnea mariposa
coral
enrosca-se ao galho
e cora:
mordeu a romã subterrânea




...

bem vindos alegres convivas

Vinham amigos para uma partida, sentavam-se. Distribuiam-se as cartas de um baralho novo, agrupavam-se os ouros, ele tinha sete. Seu parceiro disse: sem trunfo, e o apoiou com dois ouros. O que mais? Alegre, animado, devia declarar: grand slam. E de repente Ivan Ilitch sente essa dor sugadora, esse gosto na boca,e parece-lhe esquisito que possa, ao mesmo tempo, alegrar-se com o grand slam.



de Lev Tolstói