24.2.09

para que os vivazes convivas não se esqueçam

"Esta noite sonhei - não é literatura - esta noite sonhei que não estava a sonhar. E afirmo que os pesadelos, mesmo para os mais assombrados de nós, apenas são ausências de pesadelo. A girar no vazio, o nosso espírito não poderia fazer-se à ideia de nunca mais girar. E na família dos nossos pensamentos, dos nossos amores, dos nossos ódios, é perpétua a história daquele homem que comia os filhos numa época de fome, para lhes preservar um pai" rené crevel




o que se inflama pelo ódio-pavor de odes requentadas e demais sobras opulentas

oh eu amo

o olho desse desavisado passante

espelho em estilhaço,

-discreto espirro de mim-

é alguma música diluída na noite

a diluir o escuro entre asas estúpidas

estúpidas pétalas estúpidos anúncios doce-estúpida premência essa urgente morte que me inflama

com graça e horror

e portanto

oh eu amo

o imperativo de atentar contra o frágil acordo

tessitura entre desejo e cordialidade

ah a piedade! PIEDADE!? Piedoso é o dolorido de meu calcanhar nu de divindade

que dói solitário de poeira e rachadura por saber que tudo que pode se resume burramente num

oh eu amo

que eu clamo eu clamo a boca transbordando doenças miseráveis pus ressequido dentes carcomidos de mordidas nervosamente infantis que me redimirão para além desse lirismo? floreio? redundância? de insistir

na cuidadosa rispidez delicada rispidez do alfinete

OH EU AMO

o doce alfinete pendendo do peito estilhaçado de René Crevel

que continua a berrar discretamente o peso do recado preso pelo alfinete

ENOJADO


morra com placidez tudo de frágil

as ruínas com passados de pássaros esquecidos dentro
resistem a destilar
[com violência e ternura]

graça e horror