O ANJO SOB A ÁGUA
primavera espúria,
flor-do-vilipêndio:
esporos, abelhas, veludo, brita e desespêro;
[mas um desespero delicado
de ir-se desfolhando em silêncios sob a pele,
um silêncio de pássaro ido sob a pele]
a primavera toca a polpa escura do oceano? encosta sua língua de ânsia, seus humores todos roxos como dentes e assim faz poeira da polpa escura do oceano? é quieta no habismo, sem ruído de penas de pétalas caídas, é quieta quando o habismo se derrama líquido?
[como poderiam ser senão roxos os dentes da primavera? seriam verdes? ora, a primavera jamais se abnega ao espírito caracol de musgos
antes rebenta o roxo rim das lilases
para a desolação dos edifícios
e o germínio da solidão dos portos]
lambe primavera
a fenda da flor que espia o tempo à espera da tua saliva
lambe primavera
o oco do casulo que medita o vôo-margem : a tua saliva
lambe as trincheiras primavera
afunda-lhes o rasgo
[a terra quer rir mais largamente face a tua saliva]
lambe as trincheiras como quem lambe feridas da carne
[as ansiosas feridas da carne – a tua saliva]
lambe os olhos afogados primavera
lambe as asas cancerosas
lambe primavera que o que quer morrer à tua saliva oferece a outra face
.
visceral e exasperado (um desespero sutil)
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