14.3.09

para que os lilases convivas se esqueçam

O ANJO SOB A ÁGUA



primavera espúria,

flor-do-vilipêndio:

esporos, abelhas, veludo, brita e desespêro;


[mas um desespero delicado

de ir-se desfolhando em silêncios sob a pele,

um silêncio de pássaro ido sob a pele]


a primavera toca a polpa escura do oceano? encosta sua língua de ânsia, seus humores todos roxos como dentes e assim faz poeira da polpa escura do oceano? é quieta no habismo, sem ruído de penas de pétalas caídas, é quieta quando o habismo se derrama líquido?


[como poderiam ser senão roxos os dentes da primavera? seriam verdes? ora, a primavera jamais se abnega ao espírito caracol de musgos

antes rebenta o roxo rim das lilases

para a desolação dos edifícios

e o germínio da solidão dos portos]



lambe primavera

a fenda da flor que espia o tempo à espera da tua saliva

lambe primavera

o oco do casulo que medita oo-margem : a tua saliva

lambe as trincheiras primavera

afunda-lhes o rasgo

[a terra quer rir mais largamente face a tua saliva]

lambe as trincheiras como quem lambe feridas da carne

[as ansiosas feridas da carne – a tua saliva]

lambe os olhos afogados primavera

lambe as asas cancerosas

lambe primavera que o que quer morrer à tua saliva oferece a outra face



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dize